O químico suíço Germain Henri Hess (1802-1850) começou a estudar algumas reações termoquímicas no ano de 1938 e descobriu um fato interessante: o calor de neutralização entre um ácido e uma base em solução aquosa era o mesmo independentemente se ele adicionasse primeiro o ácido à água e depois a base, ou se fizesse o contrário, adicionasse primeiro a base à água e depois o ácido. Com isso, ele concluiu que a soma dos calores obtidos a várias concentrações do ácido ou da base era constante. Esse fato levou-o a formular o que conhecemos hoje como Lei de Hess. Essa lei pode ser enunciada assim:
“A variação de entalpia envolvida em uma reação química, sob certas condições experimentais, depende exclusivamente da entalpia inicial e final dos produtos, seja a reação executada diretamente em uma única etapa ou indiretamente em uma série de etapas.”
Por exemplo, considere a reação de combustão da grafite com formação de dióxido de carbono:
C(grafite) + O2(g) → CO2(g) ΔH= -393 kJ
Essa é uma reação direta, pois ocorreu em uma única etapa. Mas o produto pode ser formado também a partir da grafite, mas em uma série de etapas:
1ª etapa: C(grafite) +1/2O2(g) → CO(g) ΔH1 = -110 kJ
2ª etapa: CO(g)+ ½ O2 (g) → CO2(g) ΔH2 = -283 kJ
Observe que, se somarmos as variações de entalpia nessas duas etapas, o calor envolvido na reação será exatamente o mesmo valor do calor envolvido na reação direta:
ΔH = ΔH1 + ΔH2
ΔH = (-110) + (-283)
ΔH = - 393 kJ
Isso comprova o que diz a Lei de Hess e pode ser mais bem visualizado em um diagrama de energia:
Gráfico da Lei de Hess de reações termoquímicas com uma e duas etapas
Mas qual é a aplicação prática dessa lei? A principal utilidade da Lei de Hess é que ela nos permite determinar a variação de entalpia envolvida em reações diretas por meio da combinação de várias equações químicas, cujos valores das variações de entalpia são conhecidos. Depois basta somar esses valores para determinar o calor da reação direta desejada.
Para tal, as equações termoquímicas devem ser consideradas como se fossem equações matemáticas, sendo possível multiplicar, dividir ou inverter as equações a fim de igualar os coeficientes estequiométricos e chegar à equação desejada.
Veja um exemplo de como isso pode ser feito: vamos considerar que desejamos determinar a variação de entalpia da formação do acetileno na equação direta abaixo:
2 C(grafite) + 2 H2(g) → C2H4(g) ΔH= ?
Para conseguir descobrir o calor envolvido na reação acima, vamos trabalhar com o seguinte conjunto de equações, cujos valores das variações de entalpia foram determinados experimentalmente por meio de um calorímetro:
I - C2H4(g) + 3 O2(g) → 2 CO2(g) + 2 H2O(?) ΔH= -1409,5 kJ
II. C(grafite) + O2(g) → CO2(g) ΔH= -393,3 kJ
III. H2(g) + ½ O2(g) → H2O(l) ΔH= -285,5 kJ
Observe que, na equação direta, o acetileno (C2H4) está no produto, então precisamos inverter a equação I. Lembre-se de que, quando invertemos uma equação termoquímica, temos que inverter também o sinal do ?H:
I - 2 CO2(g) + 2 H2O(?) → C2H4(g) + 3 O2(g) ?H= +1409,5 kJ
II. C(grafite) + O2(g) → CO2(g) ΔH= -393,3 kJ
III. H2(g) + ½ O2(g) → H2O(l) ΔH= -285,5 kJ
Outro ponto observado é que temos que anular as moléculas de CO2 que estão em membros opostos, mas visto que seus coeficientes estequiométricos são diferentes, precisaremos multiplicar a equação II por 2 para igualá-los.
I - 2 CO2(g) + 2 H2O(l) → C2H4(g) + 3 O2(g) ΔH= +1409,5 kJ
II. 2 C(grafite) + 2 O2(g) → 2 CO2(g) ΔH= -786,6 kJ
III. H2(g) + ½ O2(g) → H2O(l) ΔH= -285,5 kJ
Isso também é feito com a equação III porque é necessário ter 1 molécula de O2 no primeiro membro, e não ½ O2 (pois vamos somar com as duas moléculas na equação II, dando um total de 3, e, assim, poderemos anular com o 3 O2 da equação I). Também é preciso ter duas moléculas de água e duas moléculas de gás hidrogênio para ficar igual à equação-problema:
I - 2 CO2(g) + 2 H2O(l) → C2H4(g) + 3 O2(g) ΔH= +1409,5 kJ
II. 2 C(grafite) + 2 O2(g) → 2 CO2(g) ΔH= -786,6 kJ
III. 2 H2(g) + 1 O2(g) → 2 H2O(l) ΔH= -571,0 kJ
Agora basta somar as equações acima para chegar à equação-problema:
I - 2 CO2(g) + 2 H2O(l) → C2H4(g) + 3 O2(g) ΔH= +1409,5 kJ
II. 2 C(grafite) + 2 O2(g) → 2 CO2(g) ΔH= -786,6 kJ
III. 2 H2(g) + 1 O2(g) → 2 H2O(l) ΔH= -571,0 kJ
2 C(grafite) + 2 H2(g) → C2H4(g) ΔH = (- 1409,5) + (- 786,6)+ (-571) = + 51,9 kJ
Pronto, descobrimos que a entalpia de formação de 1 mol de acetileno é + 51,9 kJ.
Por Jennifer Fogaça
Graduada em Química
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